E o Zé morreu na segunda.
Maltrapilho, esquelético, barba por fazer, olhos fundos e minguados, odor de morte, ares de tristeza e dor, pele acinzentada. Ninguém ao lado, nem fotógrafos, nem médicos, nem enfermeiras, nem filhos, nem netos, nem nada, só lembrança e medo. Medo do novo, da luz, do epílogo.
A maca com lençóis amarrotados e verdes servia de leito, a manivela emperrada, que outrora servira para melhor acomodar os doentes, esfarelava-se em ferrugens e a etiqueta surrada ainda dava para ler com esforço “ Hospital Tide Se bal” (o “tu” se Setubal sumiu) acho que roubaram, ou o tempo levou, ou ela (a mulher da lavanderia) lavou.
Zé se foi rápido. Três meses e não 13 anos como o outro Zé.
O nosso Zé chorou, se humilhou, manifestou indignação, afinal, foram 55 anos de trabalho duro, colher na mão, capacete na cabeça, sol escaldante, marmita fria, salário de fome e problemas, muito problemas. Terminar assim, minguando, morrendo, comido vivo minuto a minuto, sem flashs, sem drogas experimentais.
O Zé reclamou e não era prá menos. Quanta dor, profissionais com mau humor, atendimento de favor, noites de pavor, médicos sem amor, nem mulher, nem filhos, nem netos, nem nada, só lembranças das noites mal dormidas pela fome, do medo do despejo por falta de pagamento, do pavor do corte da energia elétrica, da humilhação de não ter o que comer na noite de natal.
Foi tudo muito rápido.
Dores no estômago, fezes com sangue, hálito apodrecido, fila no hospital, volta prá casa, corrida pela madrugada, vizinho com carro velho, mais filas no hospital, mais remédios para dores, mais tempo para os agentes do fim. Volta prá casa para retorno em seguida, babando, sofrendo, dando trabalho.
O Zé descobriu, algum médico lhe falou...
Pode ser Cancer.
No estômago.
Parece ser Bombástico.
Não tem cura.
Só a morte.
Não teve drogas experimentais nos EUA, só a morte.
Não teve luxuoso apartamento ao lado de esposa, filhos e neto, só a morte.
Não teve homenagens, só a morte.
Fala Zé, desabafa, põe prá fora homem de Deus, diga o que te atormenta, desembucha:
E o nosso Zé falou:
“Eu gostaria que todos os Brasileiros tivessem o mesmo tratamento que o tal do Zé Alencar teve, porque é muito sofrido morrer assim como eu, a míngua, esquecido e afundado numa maca num canto de um quarto de Hospital Público, comungando as dores com mais quatro futuros cadáveres. E mais, do jeito que falam do tal Zé, a gente se sente um Bosta. Ele teve o que eu não tive Pô!!!”
Descanse em Paz Zé Mané.
Descanse em Paz Zé Alencar.
Tem Deus prá todos.
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